AMAR
para a Maira
dizia
até ontem não saber que Armand Amar
nasceu em Jerusalém
ele nasceu aqui, sabia?
estávamos na varanda
ela fumava Marlboros, eu bebia Goldstar
o sharav abatendo Jerusalém
tudo aqui ganha uma dimensão bíblica
cada bloco de concreto uma hipérbole
eu bebi um gole e concordei com a cabeça
não disse nada
gostava de ouvi-la
Armand Amar nasceu em Jerusalém
repetiu
num tempo em que ainda se nascia em Jerusalém
e hoje? perguntei
hoje?
ela sorriu, tragou fechando os olhos
hoje só se morre
em Jerusalém
[22.10.2015.]
A escritora e tradutora Maira Parula morreu no dia 5 de setembro de 2025. Eu não me lembrava de ter escrito o poema acima. Eu não me lembrava de que a Maira publicara esse poema em um dos blogs que mantinha. Ela fazia isso às vezes. Eu me lembro de quando publicou um trecho do que viria a ser o meu romance de estreia, o diálogo “na praia/longe da praia” que está nas páginas 101-2 de Hoje está um dia morto. Ela ter publicado o trecho me estimulou a terminar de escrever o romance. Maira sempre foi muito gentil, muito atenciosa, muito interessada nas coisas que eu fazia. A morte dela interrompeu uma conversa que mantínhamos há mais de duas décadas, à distância, via e-mail. Uma conversa que me ajudou a crescer e me deu ânimo para seguir vivendo, estudando e trabalhando. Sinto muitas saudades da Maira. Sinto muita tristeza, até pela forma inesperada como ela morreu. E, como sempre acontece quando perdemos alguém, fica a sensação de que não deixei claro para a Maira o quão importante ela era para mim. Espero que seja apenas uma sensação. Espero que ela soubesse o quanto a adorava. Espero que, em meio à dor, ela tenha se lembrado de mim em seus últimos dias e sentido algum alívio, algum calor e todo esse amor que eu sentia e sinto por ela.