J., uma despedida

Em 30 de abril de 2023, o Liverpool recebeu o Tottenham Hotspur em Anfield, na reta final de uma temporada frustrante. A princípio, foi um passeio, 3×0 em 14 minutos. Depois, uma jornada tenebrosa, a reação dos Spurs e o empate cedido aos 93 minutos de jogo. Mas, um minuto depois, quando tudo parecia perdido, vivenciei um desses momentos extáticos que poucas coisas na vida proporcionam. O protagonista do triunfo foi o atacante português Diogo Jota.

Egresso do banco (entrou aos 63 minutos, substituindo Luis Díaz) e ainda se recuperando de uma lesão, Jota aceitou o erro de Lucas Moura e meteu um chute cruzado daqueles. 4×3, fim de papo.

O erro, o gol, o rugido da torcida, o canto (“Oh, he wears the number 20 / He will take us to victory / And when he’s running down the left wing / He’ll cut inside and score for LFC / He’s a lad from Portugal / Better than Figo don’t you know / Oh, his name is Diogo!”), está tudo AQUI.

Diogo Jota morreu na quinta-feira passada, dia 03 de julho, junto com o irmão, André, em um acidente de carro na Espanha. Morreu aos 28 anos de idade, pai de três filhos pequenos, recém-casado com a companheira de longa data, Rute. Usava a camisa 20, como diz a canção da torcida. Há pouco mais de dois meses, em 27 de abril (oi de novo, Tottenham), ajudou o Liverpool a conquistar o vigésimo título inglês de sua história. No começo de junho, abocanhou o bicampeonato da Liga das Nações com a seleção portuguesa. Jota estava no auge da carreira e no começo da vida.

Vejo todos os jogos do Liverpool, sem exceção, há quase vinte anos. São, em média, sessenta jogos por ano, às vezes mais (quando a temporada é boa), às vezes menos. Com isso, acompanhando os atletas e demais profissionais envolvidos semana após semana, eu me sinto próximo dos jogadores em campo e dos outros, como eu, que sustentam essa paixão em comum. A sensação de proximidade é uma das coisas que tornam o esporte algo tão especial e caracterizam um torcedor: estar com eles (atletas e demais profissionais) e estar uns com os outros (torcedores) pelo clube.

Cada torcedor tem a sua história, e ela é construída por momentos como aquele, contra o Tottenham, e por indivíduos que, ostentando as cores e o escudo, alimentam a comunidade e dela se alimentam, numa troca contínua. É uma caminhada conjunta, com bons e maus momentos, e ancorada na única fé que conheço — a fé em nós mesmos e em nossas cores, e na comunidade global que constituímos.

Tal comunidade é algo maior do que o clube em si, maior do que a cidade em que o clube se encontra, maior do que este ou aquele país, maior do que qualquer coisa assim delimitável. É, de certa forma, um excesso ou uma soma aberta, em progresso. Quando um de nós morre, essa soma é paralisada por um instante, no choque provocado pelo paradoxo: institui-se uma subtração na soma, uma falta impossível de restituir.

Falo de uma instituição que tem gravado na memória e na camisa o número 97, representando os torcedores mortos no Desastre de Hillsborough. Na soma aberta, há muitas subtrações, e carregamos todas e cada uma delas conosco. Mal ou bem, todos nascemos, vivemos e morremos num piscar de olhos, do nada ao nada, e por isso mesmo momentos como aquele do vídeo acima são inesquecíveis.

Quando acordei às seis e pouco da manhã com a notícia de que Jota morrera, foi como receber a notícia da morte de alguém muito, muito próximo. Porque ele era alguém próximo; eu o sentia assim. Era um sujeito que usava a minha camisa desde 2020. E usava bem demais, com elegância, alegria e cuidado. Por cinco anos, compartilhamos da mesma pele, nós e os outros, todos caminhando juntos.

Obrigado por tanto, Diogo Jota. R.I.P.

You’ll never walk alone.