Artigo publicado hoje n’O Popular.
A certa altura de Too Old to Die Young (“Muito Velho para Morrer Jovem”), minissérie de Nicolas Winding Refn produzida e veiculada pela Amazon, um chefe de cartel de drogas diz que pretende transformar a cidade em que se encontram num “parque temático da dor”. O contexto da afirmação é simples: alguns subalternos sugerem prescindir da tortura dos inimigos, pois ela seria contraproducente; o chefe nega com veemência. Para ele, o poder está assentado na propagação do terror e na perpetração das piores violências — e a minissérie é, a exemplo do mundo que retrata, violentíssima.
Assistindo à cena, pensei de imediato que nós, brasileiros, vivemos em um parque temático da dor. No momento em que indícios claros de corrupção soterram o governo Bolsonaro — tão “antissistema” que abraçou o Centrão para não cair, ignorando o fato de que o Centrão cobra muito caro e não morre abraçado com ninguém — e a pandemia (graças à ineficiência proposital e, agora sabemos, à corrupção do governo e de seus aliados) segue matando brasileiros como moscas, creio que a expressão supracitada se aplica muito bem ao Brasil.
A ideia de um parque temático da dor pressupõe que alguém aprecia tal coisa, isto é, que o ato de causar dor aos outros é aprazível, desejável e até mesmo divertido para determinadas pessoas. O narcotraficante de Too Old to Die Young claramente se regozija com o extremo sofrimento alheio. Em uma cena excruciante, ele descreve para um prisioneiro quais serão os próximos passos da tortura. É com alívio que contemplamos a execução do infeliz, e sentimos “saudades” de bandidos mais objetivos, isto é, daqueles que se livram dos inimigos com um único tiro na cabeça, e pronto.
Embora a psicopatia bolsonarista esteja amplamente documentada (e novas evidências dela pululam a cada live, a cada parada no cercadinho para falar com os apoiadores, a cada discurso, a cada tuíte), conforme demonstrei neste espaço por diversas vezes, não estou comparando o presidente brasileiro a um chefe de cartel. Não se trata disso, em absoluto. Ademais, não obstante a brutalidade envolvida no negócio, a gerência de um cartel de drogas pressupõe um mínimo de inteligência administrativa, por assim dizer, e Bolsonaro é um péssimo administrador.
No entanto, a conduta de Bolsonaro e a forma como ele (não) combate a pandemia transformaram o Brasil em um parque temático da dor. As aspirações golpistas, sustentadas por uma parcela razoável da população, das polícias e das forças armadas, são expressas nos termos do “caos” e da “guerra civil” que o presidente alimenta e seguirá alimentando antes e após as eleições, independentemente de qual seja o resultado destas. Enquanto a compra de vacinas era transformada num esquema de corrupção, muitos brasileiros estertoravam, sufocados, nos hospitais, ou eram contabilizados entre as centenas de milhares de mortos pela Covid. O Brasil é o tal “parque” do ponto de vista daqueles que ainda apoiam, ignoram ou negam tamanho morticínio, e, claro, dos que lucram com isso. Não são poucos, ao que parece. E, para eles, a dor alheia não é dor, mas oscila entre a torpe sensação de “missão cumprida” e certo gozo típico dos perversos.