Artigo publicado hoje n’O Popular.
No começo da década de 1940, com a Segunda Guerra Mundial já em andamento, o primeiro-ministro iugoslavo firmou um pacto com a Alemanha nazista. O nome do sujeito era Dragiša Cvetković. Ele fez um acordo com Adolf Hitler mesmo depois de ter sido alertado por Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, de que isso não seria uma boa ideia.
O pacto com os nazistas foi firmado em 22 de março de 1941. Depois, em cerca de 48 horas, o serviço de inteligência britânico “instigou e financiou um golpe militar em Belgrado”. Recorro, aqui, ao escritor norte-americano Nicholson Baker e seu excelente Fumaça Humana (tradução: Luiz A. de Araújo. Companhia das Letras). Com o golpe, o príncipe regente, Paulo, foi forçado a abdicar e acabou exilado na Grécia. Bandeiras inglesas e francesas foram hasteadas e o povo tomou as ruas, celebrando. No trono, Churchill colocou um adolescente, Pedro II. Depois, anunciou no rádio: “Esta madrugada, a nação iugoslava encontrou sua alma”.
Ao saber do golpe, Hitler não acreditou (ele nunca acreditava quando as coisas iam mal, e depois culpava os outros pelos percalços). Em seguida, como de praxe, ordenou que a Iugoslávia fosse destruída, sem “mensagens diplomáticas, sem ultimato”. Churchill descreveu o estado de espírito do Führer como o de uma “jiboia que, já tendo coberto a presa de imunda saliva, a visse subitamente arrancada de seus anéis constritores”.
Mas Hitler cumpriu a ameaça, deflagrando a Operação Strafgericht (não havia espaço para sutilezas na cabeça do líder nazista). Partindo da Romênia, a força aérea alemã bombardeou Belgrado por três dias. “Destruíram a estação ferroviária”, escreve Baker, “a ópera, a usina elétrica e muito mais.” Segundo um jornalista da United Press, os moradores da cidade ficaram dias trancados nos porões, com medo de sair às ruas. O cônsul norte-americano descreveu Belgrado como “uma cidade da morte”. Churchill transmitiu mensagens radiofônicas em servo-croata, solidarizando-se com as vítimas, dizendo que os britânicos passavam por uma situação similar e instigando os camponeses iugoslavos a se insurgirem contra a agressão nazista. A resistência, contudo, foi sufocada.
Em seus diários, Churchill descreveu o bombardeio do zoológico de Belgrado: “Uma cegonha ferida passou mancando pelo hotel principal, que era uma massa de fogo. Com passos titubeantes, um urso atordoado e confuso arrastava-se pelo inferno rumo ao Danúbio”.
O bombardeio do zoológico foi reconstituído de maneira ímpar logo no começo de Underground – Mentiras de Guerra (1995), de Emir Kusturica. O filme, agraciado com a Palma de Ouro em Cannes, é um mergulho delirante, de ecos fellinianos — um Fellini de pesadelo, lisérgico-raivoso —, na história da (hoje ex-)Iugoslávia no século XX. Dois conflitos marcam o longa e o percurso brutalmente acidentado do ex-país: a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Bósnia (1992-1995). O recorte expõe o nascimento (forçado) e a morte (fratricida) de uma nação. Os animais no zoológico simbolizam à perfeição — como notou Churchill, sem precisar dizê-lo explicitamente — os civis destroçados pela violência, pelas bombas e pela estupidez dos líderes despreparados e genocidas.