“Brasília é Las Vegas funcionando em um leprosário repleto de psicopatas.”
Tadeu S.
::: Na Piauí deste mês, um artigo assinado por André Singer, jornalista, cientista político, professor da USP e ex-secretário de imprensa da Presidência da República (2003-2007). Trecho: “O completo isolamento em relação ao capital precipitou o fim da experiência desenvolvimentista. O lulismo não encontrou resposta para a unificação da burguesia contra Dilma. Por dois anos, a presidente resistiu bravamente às crescentes pressões para dispensar Mantega e proceder ao ajuste recessivo. Mas como não mobilizou qualquer tipo de apoio político a essa resistência (…), o isolamento do Planalto e da equipe econômica tornou-se cada vez maior (…)”. Singer cria uma narrativa que intenta justificar o desastre administrativo da suposta “experiência desenvolvimentista” (a qual ele compara ao New Deal rooseveltiano, no que eu ri), culpando não a inépcia de seus artífices, que cometeram crimes como as famigeradas pedaladas fiscais para financiar uma máquina corrupta e paquidérmica e um projeto irresponsável e, como hoje se vê, insustentável, mas, sim, a perversidade do monstruoso Capital, que não aceitaria ser alijado de tal “experiência” (vide a “batalha do spread“) e trabalharia organicamente (por meio de “veículos respeitados pelo grande empresariado mundial”, por exemplo) para naufragá-la. Os maiores erros da sra. Rousseff, no entender de Singer, não teriam nada a ver com o intervencionismo paralisante, espúrio, e o descontrole dos gastos (e a tentativa de escondê-lo) que leva ao aumento da dívida pública (41,4%, o equivalente a 9% do PIB), à contração do Produto Interno Bruto (estimada em 8,1% no triênio 2014-2016), ao aumento do desemprego (que deve passar dos 10% em 2016) e, por fim, à impossibilidade de se manter os programas “desenvolvimentistas” — e o apoio eleitoral que decorreria deles. Os maiores erros da sra. Rousseff, segundo Singer, foram a irascibilidade, a incapacidade de negociar e compactuar quando necessário, a arrogância e a imposição de um “estilo” que minaria qualquer apoio político, incluindo na outrora chamada “base aliada”.
::: Na IstoÉ desta semana, uma entrevista com Gustavo Franco: “Vejo o Palácio dizendo que fez a pedalada para não deixar de pagar os programas sociais, o que é uma confissão de crime”. E: “Há 25 anos, tínhamos um grande solucionador de problemas, que era a inflação. Era uma maneira de tributar o pobre para pagar as contas que ninguém queria pagar. Hoje em dia, uma maneira de ver o que aconteceu é que nós não tributamos o pobre com a inflação, mas tributamos os nossos filhos e netos com dívidas. A criação excessiva de dívida hoje é como a criação excessiva de dinheiro há 25 anos”.
::: Franco também traça uma distinção entre o que enfrentamos hodiernamente com aquilo com que FDR se deparou, há quase um século: “O mundo já experimentou crises que poderiam ser resolvidas com o aumento do gasto público. Só que esta é uma crise produzida pelo excesso. O remédio utilizado nos anos 30 para uma crise diferente foi o aumento do gasto público. Agora, o problema é o inverso. Trata-se de um endividamento fora de sintonia com a capacidade de o Brasil pagar. E não é para o exterior, é para nós mesmos”. Mais claro, impossível.
::: Vieram me dizer das “coisas boas” que a sra. Rousseff teria feito, como manter os juros e a conta de luz lá embaixo por um tempo, como se esse tipo de medida populista não tivesse um custo enorme, que agora conhecemos (e pagamos), especialmente os mais pobres — justamente os que ela, em tese, procurava “assistir”. Muito se noticiou sobre o quão nocivo é o fato de ela ter ordenado a manutenção dos preços dos combustíveis, por exemplo, num valor abaixo daquele praticado no mercado, coisa que torpedeou a Petrobras, já tão destroçada pela corrupção metastática. O salto inflacionário resultante desse tipo de prática intervencionista é tão previsível quanto evidente. Muitos procuram justificar a estupidez administrativa ressaltando os programas assistencialistas que se tentava implantar e/ou manter, sublinhando que outro governante (tucano, por ex.) não teria esse tipo de preocupação, mas ignoram (de boa ou má-fé) que o modus operandi foi não apenas criminoso, mas também inviável sob qualquer ponto de vista. As pedaladas não são motivo para divórcio (ou impedimento). As pedaladas são motivo para crime passional.
::: A essa altura, parece evidente que não é possível desenvolver um país na marra e a qualquer custo, distorcendo as contas públicas e intervindo em setores cujos humores obedecem a variáveis alheias aos humores da sra. Rousseff e suas “melhores” intenções. Não por acaso, aqueles que foram arrancados da miséria estão, de novo e aos poucos, sendo abraçados por ela. A conta chega para todos, mas são os mais pobres que terão de se virar com a parcela maior, e mais acachapante, dos custos da aventura político-econômica “desenvolvimentista”. O Estado os engoliu, e agora trata de cagá-los de volta.