Artigo publicado hoje n‘O Popular.
Confesso que ri bastante ao ler que a XP Investimentos mudará a metodologia das pesquisas eleitorais que encomenda ao Ipespe todos os meses. O motivo é que a reiterada aferição do derretimento de Jair Bolsonaro incomoda os clientes bolsonaristas da empresa. A mudança da metodologia vai diminuir ou mesmo anular o desprezo que a maioria dos brasileiros nutre pelo presidente? Óbvio que não. Mas o caso é exemplar porque demonstra pela enésima vez que a briga dos bolsonaristas é com a própria realidade.
Em sua maioria, eles vivem em uma bolha forrada de mentiras e asneiras delirantes. E uma coisa que aprendemos nos últimos anos é que a disposição para mastigar e engolir o chorume ideológico produzido pelo pior presidente da história brasileira independe de classe social e formação intelectual. Semanas atrás, na fila para tomar a primeira dose da vacina, uma advogada me disse que contraiu Covid e não teve sintomas graves porque tomou cloroquina. Como se vê, confundir correlação com causalidade não é privilégio de analfabetos funcionais. A miséria cognitiva é democrática.
Claro que nem todos os bolsonaristas são desinteligentes. Muitos são oportunistas, julgam ter mais a ganhar do que a perder com o desgoverno em curso. Embora formado em medicina, Marcelo Queiroga, atual Ministro da Saúde, não corrigiu os seguidores que postaram tolices nas redes sociais, como: “tomou as duas doses da vacina, usou máscara, mas se contaminou”. Queiroga está cumprindo quarentena em Nova York, isolado em um hotel de luxo (às nossas custas), depois de contrair o coronavírus durante a Assembleia Geral da ONU, entre um gesto obsceno e outro. Não sei vocês, mas eu aprendi no ensino fundamental que nenhuma vacina impede a pessoa de contrair o que quer que seja; o que as vacinas fazem é evitar que os imunizados desenvolvam formas mais graves das doenças.
Queiroga fez pior do que se calar diante do desfile de ignorância e canalhice dos seguidores: ele repostou no Instagram (e depois apagou) um desses “questionamentos”, chancelando, assim, a mentira inerente ao negacionismo. Acaso vivêssemos em um país sério, o Conselho Federal de Medicina obrigaria Queiroga a se retratar. Mas o problema é que o próprio CFM tem agido de forma pusilânime desde o início da pandemia — não é por acaso que, em seu grotesco discurso naquela mesma Assembleia Geral, Bolsonaro tenha citado o CFM no mesmo fôlego com que voltou a defender tratamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid. Ter um presidente que se esmera em delinquir “autoriza” os outros a também delinquir. Forma-se uma cadeia de maus exemplos e péssimas atitudes. O descuido, a grosseria e o crime são normalizados.
Suponho que o CEO da XP e seus sensíveis clientes bolsonaristas não sejam tão afetados pela inflação e pela incompetência de Bolsonaro quanto a maior parte dos brasileiros. Nem todos podem se dar ao luxo de olhar para o outro lado ou tapar o sol com a peneira. Muitos estão abandonados, entregues à aflição e ao desespero, sem trabalho e sem ter o que comer. A real percepção de que o país está arruinado não aumenta ou diminui conforme a “metodologia” das pesquisas. Mentiras não enchem a barriga de ninguém.