Artigo publicado hoje n’O Popular.
Mais de uma centena de corpos enterrados em Manaus em um único dia. Em valas comuns. E o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, vai à entrevista coletiva que deveria ser de técnicos e especialistas em saúde pública, o momento em que atualizariam os hórridos números de infectados e mortos pela Covid-19 e reforçariam as diretrizes da Organização Mundial da Saúde para que enfrentemos a pandemia com o menor número de baixas possível, o tal general vai a uma coletiva que deveria ser técnica, informativa, e tem a pachorra de pedir à imprensa que “não dê tanto destaque” às covas, aos caixões e às mortes. Isso aconteceu na quarta-feira, dia 22 de abril.
Um general pedindo à imprensa que “esconda” corpos. Um general pedindo à imprensa que não faça o seu trabalho. Um general pedindo à imprensa que não informe. Um general pedindo à imprensa que não noticie o resultado óbvio da incompetência e da estupidez criminosas do governo federal. Sim, porque os resultados óbvios das paranoias, das birras, dos flertes ditatoriais, dos crimes de responsabilidade, da falta de humanidade e de empatia, da burrice, das saidinhas à padaria e às manifestações de imbecis (contratados e pagos por outros imbecis), enfim, os resultados óbvios da presidência e dos discursos de Jair Bolsonaro são os cadáveres e as valas comuns.
Se você acha que estou exagerando, sugiro que acesse ajzenman.com ou ssrn.com e leia um artigo científico intitulado “More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic” (em tradução livre: “Mais do que palavras: os discursos dos líderes e o comportamento de risco durante uma pandemia”). O artigo, assinado por Nicolás Ajzenman (Fundação Getúlio Vargas), Tiago Cavalcanti (Universidade de Cambridge) e Daniel Da Mata (também da GV), é resultado de uma pesquisa feita no Brasil combinando dados eleitorais e informações de geolocalização de mais de 60 milhões de telefones celulares.
Em resumo, ao cruzar esses dados, os pesquisadores descobriram o seguinte: em regiões nas quais se concentram apoiadores de Bolsonaro, sempre que o presidente faz um discurso contrário às orientações de isolamento e distanciamento social, os cidadãos afrouxam ou ignoram quaisquer cuidados, saem à rua, circulam mais e, claro, expõem-se e expõem os outros ao risco de contágio. Ou seja, são “mais do que palavras” — as falas e atitudes de Bolsonaro têm influência direta no comportamento de parte da população e, portanto, no número de infectados, internados e mortos pela Covid-19. Não por acaso, em áreas nas quais residem relativamente menos bolsonaristas, as pessoas são menos influenciadas pela “retórica” presidencial, isto é, elas ficam mais em casa, respeitando a quarentena, a própria vida e as vidas dos semelhantes.
É difícil, e muitas vezes inútil, usar argumentos racionais com certa parcela da população. Muitos buscam “informações” em grupos de aplicativos, não checam as fontes (nem saberiam como), acreditam em teorias conspiratórias estapafúrdias e proliferam mentiras. “Orientados” por um presidente com nenhum apreço pela vida humana, encaminham-se para a vala comum, levando consigo gente que nada tem a ver com isso. Bolsonaro é criminoso e faz com que outros ajam criminosamente.