Enquanto avançavam, belissimamente exaustivas, as catorze entradas do jogo desta madrugada pareciam se desligar da realidade imediata. O estádio flutuava noite adentro, carregando a massa expectante de torcedores que prendiam a respiração e aguardavam não o desfecho elusivo, mas sua forma, o modo como se desenharia lá embaixo, no campo.
Foi um jogo de avanços paulatinos e placar apertado, intranquilo, em que os roubos de bases serviam não para alvejar o adversário (parecia evidente, depois de um tempo, que tal coisa não aconteceria), e, sim, para tentar estrangulá-lo, pouco a pouco. As entradas extras dão bem a medida dessas sucessivas e não raro frustradas tentativas de estrangulamento. Não é fácil dar cabo de alguém dessa maneira.
O beisebol tem essa característica fantasmagórica, e não o digo pelo que a coisa toda tem de vintage (e tampouco por aquele filmezinho insuportavelmente agridoce com Kevin Costner). É um esporte onde os tempos mortos não são descartáveis, não são pura e simplesmente mortos, pelo contrário. São os tempos mortos que, para mim, conferem graça ao beisebol, mais até do que o home run, e isso porque eles estão sempre carregados de uma espera gloriosamente otimista, graças à qual mesmo uma rebatida simples ou um walk irrompem com a exuberância de um acontecimento inaudito.
Adoro quando o rebatedor, depois de vencer o duelo com o arremessador (quatro erros deste e o adversário ganha seu passe livre), atira com displicência o bastão para o lado, despe-se dos apetrechos de proteção e dá a corridinha até a primeira base, conquistada muitas vezes com contenção (ao controlar a ansiedade e evitar os swings no vazio) e inteligência (ao perceber o momento ruim do arremessador e simplesmente permitir que ele se enrole).
Adoro as entradas intermináveis, pesadelo de qualquer arremessador, em que as bases vão sendo ocupadas e a possibilidade de um grand slam se instaura com sua carga apocalíptica. Mesmo que nada aconteça, mesmo que o arremessador e os defensores evitem o pior, mesmo que nem uma mísera corrida seja anotada, ou exatamente porque isso também é possível, que nada aconteça, o beisebol se desenrola com a beleza e a verdade intrínsecas à própria vida: tudo pode acontecer, algo pode acontecer, nada pode acontecer. Noutras palavras, dados seu tempo, seus acontecimentos e/ou desacontecimentos, suas esperanças e frustrações, o beisebol se confunde com a vida por inteiro, no que ela tem de bela ou insuportável, gloriosa ou patética, fatalista ou gratuita.
O beisebol é um esporte que exige outra relação com o tempo. Ele exige que nos abandonemos, sem a promessa de um desfecho, sem promessa alguma, aliás. Pode acabar agora, ou não. Pode continuar indefinidamente. Pode não oferecer qualquer consolo, ou pode (como aconteceu nesta temporada com os torcedores do Chicago Cubs, time que não vence o campeonato desde 1908) acenar com a possibilidade de uma catarse, possibilidade a ser confirmada ou negada, dolorosamente, e, neste caso, não resta alternativa além da resignação. Mais um ano, menos um ano; mais uma vida, menos uma vida; outubro que vem, quem sabe.
“Décima-segunda entrada e rumo à eternidade”, dizia o narrador, ontem. Eis o espírito. Diante do impasse, da incerteza, da insegurança e da imprevisibilidade, a eternidade torna-se quase mensurável. Um homem gira o bastão. Outro respira fundo, sentindo a bola com a palma da mão e os dedos, os olhos fixos na zona de strike. É um momento que se prolonga, como se o próprio tempo respirasse fundo e aguardasse. O beisebol é esse intervalo entre um silêncio e outro. É a espera. Ou, melhor dizendo, é aquilo que confere significado à espera. Viajamos junto com a bola, afinal, independentemente do que aconteça com ela. Abandonados no vazio. Soltos. Plenos de expectativa e beleza. Vivos.
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