Na ausência absoluta

TD

O diálogo final em True Detective me fez repensar a série toda, sob uma perspectiva diferente. Há uma conotação religiosa (na acepção mais pura — e deiforme — do termo) muito forte ali. A partir do que Rust diz a Marty, imaginei o caminho empreendido pelo primeiro como o de uma longa, atabalhoada e dolorosa aceitação de D’us (embora ele possa e nós possamos nomear isso de outros modos, não importa; a ausência se diz de muitas maneiras). A descrição, belíssima e etérea (também na acepção mais pura do termo), que ele faz da sua quase-passagem diz muito desse encontro que é, em si, o signo da ausência: estar momentaneamente ali simboliza o quanto não estamos e o quão pouco estivemos, no Princípio. A dor que ele sente carrega a enormidade dessa perda e daquele afastamento original. Rust gostaria de desaparecer por lá, e é sincero ao reiterá-lo. “E andou Enoch com D’us e desapareceu, porque o tomou D’us”, lemos na Torá (Bereshit, 5:24). Rust não desapareceu, mas pôde vislumbrar algo da indescritível beleza do desaparição. Ausentou-se, mas não partiu. A dor que ele sente é tão maior porque durante muito tempo, tempo demais, transitou pelas imediações e afinal no interior da ausência absoluta de D’us, que é o próprio Mal. O contraste opera milagres. A visão do Mal e a sua compreensão, até onde é possível, possibilitaram que ele se voltasse, mesmo que precariamente, ao Princípio. Não há conforto nisso, pelo contrário. O desfecho de True Detective é dilacerador justamente porque nos abandona, outra vez, nos domínios daquela ausência absoluta. Rust sabe disso, e chora.