Treme chegou ao fim junto com 2013. O quinto e último episódio da derradeira temporada (a quarta) foi ao ar no dia 29 de dezembro. A série de David Simon e Eric Overmyer foi um desdobramento natural do tipo de coisa que eles fizeram em Baltimore com The Wire (esta, para o meu gosto, a melhor coisa já feita em televisão).
A cidade, dessa vez, foi New Orleans, e Treme acompanhou os anos imediatamente posteriores à passagem do furacão Katrina por meio de um bom número de personagens (músicos, jornalistas, advogados, professores, especuladores imobiliários, bons e maus policiais, políticos etc.).
Para se ter uma ideia do quanto eu me senti próximo da série, posso dizer que jamais teria escrito Terra de casas vazias da forma como escrevi se não a tivesse visto. A ideia de acompanhar aqueles personagens sem, contudo, rasgar a narrativa com um clímax, mas simplesmente seguindo-os por um determinado tempo, como quem recorta um pedaço das vidas dessas pessoas, sem forçações de barra, tornou-se clara para mim a partir do momento em que assisti aos primeiros episódios de Treme.
Há uma sofisticação na maneira como a série se deixa levar que só acho comparável à de The Wire. Ao se recusar a tecer arcos narrativos tradicionais, explorar coincidências obtusas, mergulhar em dramalhões e esboçar reviravoltas estrondosas, Treme atinge uma verdade e uma decência que, embora nos saltem aos olhos em seus melhores momentos (e eles são inúmeros), jamais nos gritam aos ouvidos. Com tranquilidade e parcimônia, ela nos aproxima dos personagens e permite que vivenciemos um pouco de suas vidas, até onde isso é possível.
Dois bons exemplos das extremas sutileza e inteligência com que Treme foi conduzida, ambos pinçados da última temporada: a cidade em polvorosa, comemorando a vitória de Barack Obama em 2008, e alguém sai de um bar, chega ao meio da rua e, por acaso, olha para as esquinas acima e abaixo, observando, em cada uma delas, uma ou mais viaturas de polícia, numa espécie de cerco indicando que, bem, nada vai mudar; a despedida do personagem de David Morse, pegando a estrada e tendo a exata noção da saudade que sentirá de New Orleans quando o rádio do carro, sintonizado em uma estação da cidade, começa a falhar.
Falham também as palavras, sempre, e no lugar delas entra a música ou, em alguns casos, o silêncio. Ainda na primeira temporada, quando um personagem se mata, não o vemos saltar da barca, mas, sim, o vazio deixado por ele. No gesto e na forma surda como ele é mostrado, está evidente a impossibilidade daquele homem continuar vivendo naquela cidade tal e qual ela se apresenta após o desastre. O espaço é contaminado pela violência gratuita e pela corrupção. De certa forma, ele não salta, mas é lançado. E sabemos de tudo isso não porque a coisa é dita, mas, sim, porque ela é mostrada, e genialmente.
É óbvio que tal estruturação tem muito da música que preenche boa parte da cada episódio (Tremé, aliás, é o bairro de New Orleans onde nasceu o jazz). Mais do que isso, é uma opção que possibilitou construir uma topologia dramatúrgica sem igual, conforme à cidade e respeitando a sua diversidade. O acúmulo de recortes redunda em um mosaico que, embora extenso, jamais se pretende completo ou definitivo. Acima de tudo, Treme celebra a incompletude.