Auster etc.

auster

Paul Auster completa 70 anos de idade hoje.

A Trilogia de Nova York, A Invenção da Solidão e Leviatã (numa edição estourada da BestSeller que achei em um sebo na W3-Sul) foram muito importantes para mim quando, aos dezenove, vinte anos, vivia sozinho num barracão no Guará II, no DF, rascunhava meus primeiros contos, tinha um emprego de merda e, por companhia, apenas os livros que comprava aos poucos e com cheques pré-datados na Nobel e, depois que esta fechou, na Saraiva do ParkShopping.

Auster, Salman Rushdie, Italo Calvino, Thomas Bernhard, Philip Roth e Rubem Fonseca faziam a minha cabeça então. Talvez por identificá-los em demasia com tempos difíceis, e à exceção de Roth, eu os revisitei pouco desde aquela época. É um problema meu, não deles. Todos foram importantes. Todos me mostraram caminhos possíveis, ensinaram soluções, disseram algo quando tudo ao redor era uma cacofonia insuportável.

“Seis dias atrás, um homem morreu numa explosão à beira de uma estrada no norte de Wisconsin”: assim começa Leviatã e, sem entender direito o motivo, eu adorava. Talvez por ser tão simples e direto. Trilogia também começava de um jeito que me apetecia: “Foi um número errado que começou tudo, o telefone tocando três vezes, altas horas da noite, e a voz do outro lado chamando alguém que não morava ali”.

Claro que nada disso se compara ao começo abrasivo e lancinante de O Teatro de Sabbath, por exemplo. Não importa. Interessava-me a diversão que era perceber a arquitetura, o mecanismo interno dessas vozes, medi-las, pesá-las, compreender o que cada uma delas poderia acrescentar à minha, que eu ainda não tinha descoberto, embora soubesse, ou pressentisse, que ela estava em algum lugar, bastava ter paciência que cedo ou tarde eu a alcançaria.

Sempre começamos a escrever no escuro, e a leitura é como a luz fraca de uma vela do outro lado da folha de papel que preenchemos; ela ilumina as nossas linhas mal traçadas (mas tão cheias de vontade, tão prenhes dessa inclinação que nos desgraça a vida, mas sustém o espírito), e é algo que devemos alimentar com cuidado. Começamos a escrever no escuro, e aos poucos aprendemos a fazê-lo na contraluz.

Enfim.

Foi graças a Auster (via dedicatória de Leviatã) que cheguei a Don DeLillo, o qual me levou a Thomas Pynchon, que por sua vez me apresentou a John Barth, que sugeriu que eu visitasse William Gaddis, e assim por diante. Uma vela acende a outra, e você só precisa tomar cuidado para não incendiar a própria casa. Depois, mal ou bem, tudo termina com um sopro.