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1. O primeiro contato que tive com o cinema de Denis Villeneuve foi em 2011, com o lancinante Incêndios, seu quarto longa de ficção (também dirigiu curtas, programas de TV e um dos segmentos do documentário Happiness Bound). Desgostei dos dois filmes que ele lançou a seguir (algo me diz que preciso rever Os Suspeitos, mas O Homem Duplicado é bem digno do Saramago que adapta: chato, vazio e filosoficamente infantil) e gostei, com umas poucas ressalvas, de Sicário. Assim, fui ver A Chegada sem saber muito bem o que esperar, até porque ainda não li o conto de Ted Chiang que o inspira e, exceto pelo trailer (ou seja, nada) e alguns comentários (positivos e negativos) de amigos, sabia bem pouco a respeito. Saí impressionado do cinema.

2. Villeneuve constrói o filme de forma circular (ou palindrômica) e, muito embora esta não seja a primeira coisa que percebemos, é um dos elementos que o oxigenam e afastam do sentimentalismo. Mais do que uma história sobre uma invasão alienígena, ele nos oferece uma reflexão delicada e nem um pouco óbvia sobre a memória, o poder contingenciador do luto e as escolhas que fazemos no decorrer da vida.

3. Brincando com o nosso olhar domesticado por centenas de filmes que usam e abusam do recurso, Villeneuve insere flash forwards como se fossem flashbacks. Não chega a ser uma cama-de-gato (embora alguns resenhadores se refiram ao início do filme como algo relativo ao passado da protagonista, o que é engraçado), mas a forma que o diretor encontrou de refletir o tema de A Chegada em sua própria estrutura, conforme a circularidade narrativa se deixa explicitar.

4. Louise (Amy Adams) é uma linguista recrutada pelo governo dos EUA para encontrar um meio de se comunicar com uma raça alienígena recém-chegada à Terra. Há doze naves estacionadas ao redor do globo, uma delas em Montana. O mundo está em pânico, e os governos também, porque ninguém sabe se as intenções dos aliens são amistosas ou não. A protagonista precisa encontrar um meio de se entender com os visitantes, e rápido.

3. No começo, Villeneuve sugere que ela perdeu uma filha pequena, destroçada por um câncer. Mas, à medida que o filme avança, torna-se claro que as inserções não são lembranças de uma mente atormentada pelo luto, mas visões de um futuro (e não do, pois sempre há escolhas a serem feitas), tornadas possíveis pela própria língua alienígena que Louise, forçosamente, aprende.

2. A meu ver, o melhor do filme reside no modo como essa consciência de si, do que virá e, portanto, do luto, é paulatinamente erigida. Ao final, Louise sabe o que a aguarda se fizer uma determinada escolha (ou duas: casar-se e depois ter a filha, que morrerá), mas também sabe que, não obstante a brutal perda vindoura, a beleza do que vivenciará/vivenciou é incontornável, e diz sim.

1. Por fim, há que se ressaltar a excelente direção de Villeneuve. Ele usa a economia de recursos (orçamento foi de apenas US$ 47 milhões, enquanto lixos como Independence Day: Resurgence torram US$ 165 milhões) a favor do filme, tirando o máximo dos poucos cenários, mostrando ou não o que interessa (note-se a ótima cena na sala de aula, em que a tela da TV noticiando a chegada dos OVNIs é “sonegada” e ficamos com os rostos embasbacados da professora e dos alunos na sala quase vazia) e criando uma simetria conceitual que vai desde o roteiro até a câmera — vide alguns dos planos gerais e travellings que, a exemplo de um Malick, transmitem com perfeição o assombro diante do desconhecido.