O tempo de Miller

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Quando penso na geração de cineastas norte-americanos nascidos após 1960, sempre coloco Bennett Miller entre os meus cinco favoritos. Gosto demais do tempo particularíssimo de seu cinema e da maneira muitas vezes anticlimática, mas jamais desprovida de intensidade, com que lida com seus materiais. Seja a relação entre predador (escritor) e presa (personagem) em Capote, seja a dificuldade de se instituir uma nova forma de pensar e fazer algo em Moneyball (no caso, o beisebol, mas pode ser qualquer coisa, em qualquer área), Miller se aproxima com tranquilidade de personagens, tema e/ou objeto, deixa que eles se revelem paulatina e obliquamente e permite ao espectador cercá-los como lhe aprouver. Foxcatcher é um exemplo perfeito desse procedimento essencialmente cinematográfico de mostrar algo (personagens, circunstâncias, situações, conflitos), livrando os nossos olhos das manipulações descritivas mais óbvias. O filme é baseado numa história real e envolve dois irmãos, lutadores, medalhistas olímpicos (1984), e um milionário excêntrico (antes fosse só isso) que se dispõe a financiá-los. Observe-se os minutos iniciais: Miller nos mostra o cotidiano dos lutadores, mais especificamente de um deles, o centro de treinamento depauperado, o apartamento pequeno, a falta de perspectivas, o desinteresse dos outros para com o muito que já fizeram etc. É como se o diretor nos levasse a um passeio por aquele mundo; em vez de nos dizer ou explicar o que acontece, a economia narrativa permite que vejamos e entendamos por nós mesmos. A sofisticação dessas escolhas é ainda maior porque jamais chama a atenção para si mesma. Texto, atores e encenação são pontuais, servindo à perfeição para o desenrolar da história e a lenta explicitação das motivações de cada personagem. E mesmo as motivações não são dispostas de maneira desajeitada: observamos o comportamento daquelas pessoas, suas reações, suas escolhas, suas omissões. A lentidão me parece imprescindível aqui. Só o tempo é capaz de permitir o aparecimento de certos detalhes que, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente, desvelam os personagens e os lugares que ocupam na construção de sua tragédia. Como se vê, assim como Moneyball não é um filme sobre beisebol, Foxcatcher tampouco é sobre luta greco-romana. Miller nos orienta para uma situação na qual a figura pretensamente paterna (o tal milionário) traz consigo uma escuridade abrasiva. Ela sinaliza para o outro a mesmíssima ausência de que se ressente ou, melhor dizendo, tenta, a princípio, sinalizar o seu contrário, estabelecer uma presença. O problema é que, logo percebemos, ele se mostra incapaz de sustentar uma relação verdadeira, como a existente entre os irmãos. Cria-se uma tensão afetiva (na mais pura acepção do termo) insustentável. Os resultados são funestos, e o filme avança até eles sem a menor pressa, de forma crua e intensa. É cinema de primeiríssima linha.