Notícias do submundo

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Curto o cinema de Kathryn Bigelow. Acho Caçadores de Emoção um policial decente, e Guerra ao Terror é o melhor filme sobre essa enrascada iraquiana na qual os EUA se meteram na década passada. Aliás, há coisas muito boas a respeito, desde o pouco visto Redacted, de Brian DePalma, até o subestimado Zona Verde, de Paul Greengrass.

A Hora Mais Escura reconstitui a caçada a Osama bin Laden pela ótica de uma obcecada agente da CIA interpretada por Jessica Chastain. Não há conversa fiada ou cenas gratuitas de “heroísmo”, mas um mergulho tenso e seco numa espécie muito particular de submundo.

Eu me lembro de um episódio de 24 Horas no qual o imorrível Jack Bauer falava, com amargura, sobre esse “mundo paralelo” em que ele e seus pares viviam. Nele, os atores e suas táticas se confundem até se tornar uma coisa só. Atentados terroristas são injustificáveis, mas o que dizer das respostas a eles? Até que ponto são aceitáveis? Eu, sinceramente, não sei ao certo. No caso específico, antes tivessem se limitado a caçar e exterminar Osama e seus comparsas. Invadir dois países injustificadamente?

Mas, voltemos ao filme.

Há quem reclame das cenas de tortura em A Hora Mais Escura, como se elas fossem um problema do longa e não da realidade que ele aborda. Achar que Osama foi rastreado sem o uso de “técnicas extremas de interrogatório” é de uma ingenuidade (para não dizer burrice) sem tamanho. O mundo é feio e triste, e só tende a piorar. Não há heróis ou mocinhos, só antagonistas.

Bigelow evita sistematicamente todos os vícios em que poderia incorrer ao lidar com esse tipo de material. Sem discursos, sem justificativas. É a mesma qualidade que engrandece o Munique de Steven Spielberg: eles fizeram isso com a gente, então a gente vai lá e faz isso com eles. Engrandece os filmes, bem entendido.

Em A Hora Mais Escura, há uma cena muito boa na qual os agentes da CIA discutem seu próximo movimento enquanto, na TV, o patético Barack Obama diz em entrevista que os EUA não praticam mais tortura. Não muito tempo antes, vimos enfiarem um saudita espancado, aterrorizado e literalmente cagado numa caixa. Não há muito espaço para sutilezas aqui.

Penso que a primeira qualidade de um filme deve ser a honestidade. No meu entender, o fato de o trucidamento final de Osama ser isento de catarse ou triunfalismo explicita uma postura das mais honestas por parte da realizadora. Do que é que se trata, afinal? “Assassinato seletivo”, no jargão da realpolitik. Um bando de SEALs invadindo uma fortaleza e queimando o responsável pelo maior atentado terrorista da história. E, depois, Bigelow nos oferece um dos closes mais lancinantes que eu já vi: a expressão depauperada no rosto exausto de Chastain, ao final de tudo.

Ela não respira aliviada, e tampouco o espectador. Mundo de merda, cinema dos grandes.

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