O lugar mais baixo da Terra.

[Mais um pequeno trecho do meu romancemprogresso.]

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Outra pequena viagem dentro da viagem maior. A massa azulada disforme, quieta, mais e mais próxima, como se estivesse se arrastando em direção a eles e não o contrário. O lugar mais baixo da Terra, lera em um dos folhetos que Arthur lhe dera. Aqui, à medida que se aproximava do Mar Morto, muito embora a luz esbranquiçada fosse a mesma de Jerusalém, Teresa se sentia convidada a fechar os olhos.
Assim que chegaram à praia e desceram do ônibus, ela olhou para o mar e depois para cima: o mesmo sol enorme enraizado no céu esbranquiçado.
Qual é mesmo o nome desse lugar?, ela perguntou.
A praia ficava lá embaixo, descendo por uma longa calçada que atravessava a areia em linha reta, uma rampa se pronunciando em direção à água, mas sem chegar até ela. O mar estava logo atrás de uma espécie de cerca, como se tivessem medo de que ele fosse fugir.
Ein Gedi, disse Arthur.
Caminhavam em direção ao mar. Arthur falou de uma espécie de oásis, um jardim botânico do outro lado da rodovia, num kibutz ou coisa parecida, ou próximo a um kibutz, ele não sabia direito, mas era um outro lugar que eles poderiam visitar. Naquela mesma tarde, se ela quisesse. Depois que tivessem almoçado por ali mesmo, havia alguns restaurantes a poucos passos de onde estavam.
A gente não precisa voltar hoje para Jerusalém. A gente pode fazer o que quiser.
Ela não o ouvia direito. Tudo era pesado e quieto, as vozes do marido e dos outros turistas lhe chegavam como que amortecidas. Como se ela tivesse água nos ouvidos, mesmo não tendo ainda mergulhado, mesmo sendo tão difícil mergulhar ali. Na praia, ouviu uma mulher que viera no mesmo ônibus em que eles dizer a alguém, em inglês:
Não é fantástico, Arthur?
Ao ouvi-la pronunciar aquele nome, ainda que com sotaque inglês, Teresa pensou que fosse vomitar. Sentou-se na areia, as pernas mal respondendo, e encolheu-se toda, escondendo a cabeça entre os joelhos. Contou até dez bem devagar. Depois, bem depois, ergueu a cabeça. O mar quieto, pesado. Alguns já entrando na água, entre risos e gritos incompreensíveis. Feito crianças.
Não é fantástico, Arthur?
Ela abriu a bolsa que trouxera, pegou a toalha e o filtro solar. Levantou-se, estendeu a toalha na areia e voltou a se sentar. Arthur estava de pé logo à frente. Olhava adiante, sorrindo, como se visse a outra margem e nela algo de extraordinário.
Não é fantástico, Arthur?
Ela descalçou as sandálias e as colocou junto da bolsa. Ficou olhando na mesma direção que Arthur olhava. O que ele via? Não havia nada. O cadáver aquoso, uma espécie de gel azulado, e sobre ele e além aquela névoa de um branco sujo, encardido.
O que você está olhando?, perguntou depois de um tempo.
Sem se virar, ele respondeu: Nada. Só olhando.
Não dá para ver a outra margem.
Não. Não dá.
Ele estava com as mãos na cintura, a câmera pendurada no pulso direito. Na camiseta dele estava escrito: DON’T WORRY. BE JEWISH.
Não somos judeus, ela dissera ao vê-lo comprando a camiseta dias atrás, na Cidade Velha em Jerusalém. Quer dizer que temos de nos preocupar?
Ela se levantou, tirou a camiseta e a bermuda, ajeitou o maiô, passou protetor solar pelo corpo. As pernas ainda tremiam um pouco. Disse a ele:
Acho que vou entrar na água.
Vou tirar umas fotos antes de entrar, ele retrucou.
A água a mantinha suspensa. Não era assim nada demais. (Era?) Ficou boiando em círculos, os olhos fechados. Os risos e gritos ao redor. Feito crianças. Tentou pensar em outra coisa. Ocorreu-lhe, então, a ideia de que tudo se resumia a uma única margem, sem ponto de chegada do outro lado.
Meu Deus. Margem alguma do outro lado.
Não é terrível, Arthur?
Chamou pelo marido:
Arthur?
A luz do sol não a permitia abrir os olhos por completo, mas ela o entrevia parado, a água batendo nos joelhos.
Arthur?
Chamou outras vezes, a voz cada vez mais baixa.
Arthur? Arthur?…
Arthur fotografava o nada diante de si, a paisagem marítima adormecida, a névoa ausentando a outra margem.
Não a ouvia.

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[Imagem: “Sem título” (2009),
óleo sobre tela de Maya Gold.]

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